quarta-feira, 11 de junho de 2008

Insólito

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Narcisa andou fumando escondido outra vez. Alteridade – droga pesada, ilícita no planeta Desencanto – tinha aquele gosto doce das coisas perdidas, o movimento dadivoso do que se desprende das lágrimas na maciez dos travesseiros e emerge. Clandestinamente, trocava ‘tanto faz’ por ‘tanto bene’. No espelho das águas quietas de suas noites compridas, não era o seu mas outro rosto que via. Um rosto tão belo quanto tristonho e parecia envolvo em véus tensionados ao limite pelas mãos do cansaço. Roubava da noite o cheiro de estrelas e exalava a justa indignação dos que sangram poesia em campos cegos cobertos por batalhas hostis. A imagem enchia os olhos de Narcisa com cuidados mansos. Dio Santo! Era ‘veramente bello’!!!

Distraída naquela contemplação que não basta aos olhos e pede um pouco mais de corpo no afago, um pouco mais de braços no abraço, um pouco mais de sonho nos signos, um pouco mais de alma na calma, Narcisa viu-se entre. Em. No. Dentro. Misturada àquela imagem que se espalhava em círculos ao seu redor, pressentiu a animação instantânea do mundo inanimado que ameaçava esmagar-lhe a ternura. Da boca fugia-lhe uma prece orvalhada: - o que escorre entre os meus dedos, descansa em Tuas mãos. Então, esquece nossas rixas diárias, meu Pai, e cuida daquilo que fizeste grande. Mas cuida feito Mãe, pôxa! Aninha. Embala. Protege. Alimenta. Derrama conforto nestas águas turvas que eu Te prometo semear paciência e paz, aqui, nas terras áridas que me arranham as ilusões.

Ao longe, um moço luminoso, todo vestido de verde, com o porte altivo e majestoso das ondas no mar, fazia-se mensageiro e assobiava uma canção que o vento repartia em comunhão.

Uns e Outros - Canção em volta do fogo

Narcisa apagou o cigarro na palma da mão, olhou as marcas da brasa na sua pele – souvenir de humanidade – e voltou à dureza do seu mundo coisificante, esperando a hora de semear.

O que não se pode represar, cedo ou tarde transborda.

Um comentário:

xyz disse...

Cadê a explosão? Não chinga ninguém? hahahahahahaha! Brincadeirinha .... Muito bom de ler ... leve, leve ... ta da cor do blog pra dizer a verdade, o primeiro, até agora!
Adorei.
Abraço
Elis.